quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira, o filme

Fui ver Ensaio sobre a cegueira e sai com a sensação de ter visto um ensaio sobre o seu oposto. O filme é de um requinte visual - o ouro e o óbvio das boas publicidades - que, de cara, o torna cego para as surpresas que nos reserva o bom cinema. Recurso repetitivo que o diretor não cansa de plantar em seu jardim cinematográfico. Excessivamente fiel, diriam as más línguas.
Mas Saramago vence - olha o desatino! -. O texto da estória sustenta a retórica arredondada de Fernando Meirelles. Hollywood não faria melhor, apesar de que a Julianne Moore ficava melhor lá mesmo: ao menos linda, ao menos ruiva, ao menos indo em direção à claridade da janela rebolando plácida com o copo de leite Molico nas mãos e não com a tesourinha Hitchcock.
E quis tentar não ser rude, juro. Que de rude basta a pobreza da generalidade e a brancura da infância dos sentidos violando o gozo nosso de cada dia. Não à toa, o estupro das senhoritas mal cheirosas me disse tão pouco sobre as sombras humanas. A obviedade blinda a capacidade de se estarrecer diante dos horrores - houve holocaustos na nossa história que nos abriram bem os olhos. 
Sobrou pouco, para os meus. Mal derramei uma lágrima na linda cena em que o senhor pirata negro toca o coração da jovem madalena numa declaração pública que por cegueira se fez íntima ... e fui levada a conformar-me no amanhecer da visão oriental, porque reteve tudo na própria iconicidade: no mar de leite, a colher do real dissolveu todas as fantasias. Graças a Deus, ops, à Meirelles.

2 comentários:

Unknown disse...

Meu Deus, Ale, tinha me esquecido o qto vc escreve maravilhosamente. To passada!! Lindaaaaaaaaaa

Anônimo disse...

Justo o que eu procurava sobre janela de vidro. Obrigada!