quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Certinências

"Só quando se tem rio fundo, ou cava de buraco, é que a gente por riba põe ponte ..." (Guimarães Rosa)

Semântica

Tem umas palavras que deixo guardadas em gavetas secretas.
E qdo perco a chave?
Aumento o vocabulário.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

e o vento levou

Alguns homens despertam o que temos de pior: a Scarlet O Hara adormecida em toda mulher.

A vida Clara da maternidade


"A minha Casa é guardiã do meu corpo

E protetora de todas minhas ardências.

E transmuta em palavra paixão e veemência."

(HH, júbilo, memória, noviciado da paixão)


A vida com ela é mais que líquida: sólida.

As aventuras de Azur e Asmar

Mais uma pérola do cinema infantil. Uma parábola árabe que encoraja novas perspectivas para o Mito do Graal. Aqui o Graal é a Fada dos Djins. E todas as instâncias simbólicas impregnando o filme através das lindas cores das feiras marroquinas, do movimento do mundo fantástico de bichos e superstições e pasme!, no alinhavo semântico que se dá através da convivência entre duas línguas tão diferentes (e o ajuste de contas entre dois irmãos).
Adoro filmes que não substimam a inteligência e a sensibilidade da criança. Esse, sem dúvida, faz parte deles.
** Na Livraria da Vila acaba de chegar um livro com as imagens do filme. O texto é tão tenebroso quanto a dublagem em português do filme, mas vale pelas imagens (copy and paste).

A rampa - Serge Daney - cahiers du cinéma 1970-1982

"O cinema é então em parte ligado à tradição metafísica ocidental, tradição do ver e da visão, na qual parece realizar a vocação ´fotológica´. O que é a ´fotologia´? Poderia ser o discurso da luz? Um discurso teleológico certamente, se é verdade que a teleologia consiste em neutralizar a duração e a força em favor da ilusão do simultâneo e da forma (Derrida)."

A rampa: temos aqui o pensamento enviezado (e atávico) de Serge Daney, numa propulsão magnífica tela adentro. Juntando seus melhores textos sobre cinema publicados nos famosos Cahiers du Cinéma, ajustados num período específico (1970-1982) e pensados sobre o tapete do estruturalismo francês.

"Assim herdávamos a aporia que vem daí. Porque aquilo que permite a esse olhar dirigir-se - a tela - torna-se objeto impossível. Ao mesmo tempo, esconderijo e janela, abertura e hímen. Invisível, torna visível; visto, torna invisível."

Está a venda na 2001 mais próxima de você. Para os cinéfilos, os críticos e um mais ainda da coletividade.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Gotan Project - Lunático


Doze faixas de tango e música eletrônica misturados de um jeito delicioso. O grupo é parisiense, mas é claro que há um argentino temperando tudo.
Dance !!!

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Codinomes

Com tantos pianos fortes na família, minha filha quer violino. Ufa.

http://www.youtube.com/watch?v=3jey-OmaKUM

** Meninas, a Vanessa Mae deixa a Vanessa Hudgens (HSM) no chinelo em todos os quesitos necessários a um bom ídolo: linda, talentosa e carismática !!! Quando eu crescer eu quero ser ela :)

Grupo Galpão ..

"O céu se serviu do amor e fez todos castigados.: os Montéquio e os Capuleto, por fraterna dor irmanados, findaram as discórdias e um a outro abraçados, prometeram-se em louros lado a lado estátuas aos filhos eternizados. No definitivo da história, Romeu Lua e Estrela Júlia celebraram o circo céu das paixões abrindo livre vereda no dentro do ferro das prisões. O sinhô siga, pois então caminhozinho seu, enquanto eu desarmo o miúdo circo meu, para noutras praças cantar a sorte mais triste que já aconteceu. O baralho de amor e morte da tragédia de Julieta e de Romeu. " (faixa 11)

Lindo, lindo, lindo, lindo, lindo. Se eu fizesse teatro, eu queria fazer o que eles fazem. Lúdico, itinerante, poético ... os mineiros cavam na própria terra um jeito muito deles de fazer arte. Neste cd, duas peças. Em Romeu e Julieta, o grupo editou as músicas mais bacanas das nossas serestras antigas, adaptando-as ao texto de Shakespeare. Delicado e surpreendentemente brasileiro. Em A Rua da Amargura, um olho no aspecto mambembe das procissões católicas, adaptado na paixão de cristo mais genuína da nossa terra.

** Tanto este cd quanto os dois dos Meninos de Araçaí estão finalmente a venda na Livraria da Vila. Corram.

Meninos de Araçaí ... o belo horizonte das canções


Joni Mitchell: Hilda Hilst da música ...musa




quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O que você escutou aí dentro?

Música signo da mãe: Shubert Impromptu Op.90 No.4
http://www.youtube.com/watch?v=RtZCVCw337U

Música signo do pai: Chopin - Fantasie Impromptu
http://www.youtube.com/watch?v=f9wYk0bQJbo

Música signo da filha: Corpse Bride
http://www.youtube.com/watch?v=s7A7ZFf9zjs

Glenn Gould

Dê uma navegada no youtube atras de Glenn Gould. O intérprete que nao se define. As fugas de Bach dele sao muiiiiito interessantes. Aliás so ele pra acordar Bach no state today dos ouvidos contemporâneos hehe.
Um Mozart
Um Bach
** tem um filme: ' 32 pequenas cenas sobre Glenn Gould ' que vi no cinema uns 10 anos atras e nunca achei em DVD. Se alguem souber ...

A Barriga do Arquiteto: Meta Greenaway

Um dos primeiros filmes de um cineasta que prima pelo rigor estético, A Barriga do Arquiteto é um legítimo avant guard. Cheio de plots simbólicos, temos uma narrativa clássica sendo digerida ao longo da história. Um arquiteto americano chega à Itália para organizar uma exposição de um arquiteto francês [Boullé], que é o ícone de toda sua formação. O personagem fica então colado num espelhamento obsessivo que vai se desenvolvendo ao longo do filme - que se funda através de dialogismos: construção e corpo, morte e nascimento, originalidade e simulacro.
O personagem começa engolido no seu sintoma: obcecado por sua própria barriga, a narrativa vai se produzindo durante os nove meses de gestação – da exposição, do filho e da doença. É assim que o filme apropria-se da idéia de tempo para amparar todo seu desenrolar conceitual. Dividindo-se em 7 etapas, o roteiro inscreve na película a própria história da arquitetura visionária de Roma – sujeito protagonista parindo novas estéticas, incluso o filme, portanto, meta-arte, num paralelo claro entre cinema e arquitetura. Gosto de pensar também na estrutura-metrônomo desse filme, em três paradigmas: A imortalidade, o estado voyeur a que o ser humano é submetido na fração de vida que lhe é concedida e em como a escolha da neurose configura sua condição de signo.
"A imortalidade é possível graças à arte e as criações humanas?"
Esta parece ser a pergunta que o cineasta elegeu. Portanto, a questão da imortalidade trabalha no câncer de intestino desse personagem. E também em toda a cadeia significante que pode ser construída ao longo do filme.
Primeiro, os desenhos de Boulée são significantes claros das formas arredondadas da mulher. São úteros, muitas vezes gravídeos, que aparecem nas imagens de seus desenhos. Em muitas cenas do filme as formas arquitetônicas arredondadas dos monumentos de Roma são retomadas em simetria com os seus desenhos. Há também convites claros para significados óbvios: torres, pirâmides e outros símbolos fálicos atravessando em pano de fundo. O filme começa, aliás, dentro de um típico símbolo fálico: um trem. Um trem adentrando Roma. Dentro da cabine, o casal protagonista está transando e uma imensa janela de vidro tem as cortinas abertas (referência à pulsão escópica de novo). Esta é a primeira cena do filme. É a cena geradora. Aliás é a cena em que eles geram o filho.
O espaço cinematográfico é, por excelência, o espaço do voyeur. Torna público e observável o que é privado e secreto. No filme há outra cena que remete particularmente a este estado de voyeurismo: o arquiteto e um menino que assistem pela fechadura de uma porta uma cena de adultério. Nesse momento, vinga o desejo de comentar – no interior e no exterior do contexto cinematográfico – a condição escópica a que ficamos humanamente submetidos (isso também é paradigmático quando pensamos que o filme gira em torno do tema de uma Exposição.)
Temos também um personagem/arquiteto que é um glutão. Insaciável na sua inconformidade a respeito da própria mortalidade começa a repetir a compulsão por comida numa cadeia de evocações miméticas da própria barriga. À medida que vai adoecendo a mente nessas questões, vão tomando corpo uma série de repetições de imagens da barriga de uma escultura que ele xeroca, desenhando sistematicamente nessas cópias os alimentos que ele mesmo ingere e reproduzindo cópias sem parar. Ele gesta a própria neurose numa metalinguagem impressionante. Converte a gravidez da mulher (para a qual ele é cego) no próprio corpo invertido. Quem cresce no seu ventre não é um filho, mas um câncer - que não deixa de ser uma forma autônoma de doença, portanto um sujeito -.
Num registro intencional do desenvolvimento de sua obsessão, passa a relatar, a inscrever (não é esse o desejo do artista?) no corpo da história (representada por Boulée) sua própria história. Este contato paranóico delirante (cartas a um ídolo morto) aplaca sua angústia de mortalidade. Tudo no filme acontece em espaços amplos, abertos, numa contraposição interessante com o espaço comprimido da barriga. Condenados na dialética. Temos um homem aprisionado no próprio narcisismo e na própria impotência – qual maior castração humana senão a morte? Nada para este personagem é cognoscível. Nada resta. Para não perder o filho/inscrição que cresce no ventre da mulher é que ele decide pelo suicídio. Garante sua continuidade metafísica na sucessão espiritual – e natural - do filho que chega. Que nasce no momento de inauguração da exposição. Signo dado a ver. Ele, sombra desnorteada que perambulou sendo destituído de recursos a história inteira, constrói a sua do alto do parapeito de um monumento. Retira do paletó objetos pessoais e deposita-os no muro a sua frente. É assim que ele circunscreve-se na imortalidade da construção arquitetônica: tornando-se uma. Seu happening: da própria barriga para o mundo, eis a cena dupla desse momento! Seu movimento psíquico é o mesmo. Incapacidade metafórica pura, este homem precisa reter seus símbolos no corpo físico. Inverte isso na cena final: momento em que ele - mais uma vez numa elucidação escópica - se coloca acima a olhar para baixo, lançando-se para trás (ou pra frente?) num suicídio reparador.

Memórias Inventadas - A infância, por Manoel de Barros

" (...) Nunca escondi aquele meu delírio erótico. Nunca escondi de meus pais aquele gosto supremo de ver. Dava a impressão que havia uma troca voraz entre a lesma e a pedra. Confesso, aliás, que eu gostava muito, a esse tempo, de todos os seres que andavam a esfregar as barrigas no chão. Lagartixas fossem muito principais do que as lesmas nesse ponto. Eram esses pequenos seres que viviam ao gosto do chão que me davam fascínio. Eu não via nenhum espetáculo mais edificante do que pertencer ao chão. Para mim esses pequenos seres tinham o privilégio de ouvir as fontes da Terra." (Iluminura número 5)

Saudades do meu avô.

É ladrão de mulher ...

Na verdade o livro rouba o coração das crianças também. As imagens são lindas, o recorte histórico é super bacana e a homenagem emociona.

Tá a venda lá no Galpão. O meu eu não empresto.





Solas de Vento

Les hommes aux semelles de vent
Teatro Gestual pela Cia Solas de Vento
"Com elementos de dança e técnicas circenses, o espetáculo aborda uma situação de convivência forçada entre dois estrangeiros, suspensos em suas malas, questionando o modo de olhar o 'Outro' ".
Criação: Bruno Rudolf e Ricardo Rodrigues
Direção: Rodrigo Matheus
Teatro do Sesc Ipiranga, quartas, as 21h.
A galera ensaia no Galpão do Circo e ficamos com água na boca !!!
Eu e Maricota iremos burlar a faixa etária de 10 anos. Rendam-se :)

terça-feira, 6 de novembro de 2007

1. mulheres do mundo ; 2. homens do mundo

Dove: http://www.youtube.com/watch?v=iYhCn0jf46U
Paródia: http://www.youtube.com/watch?v=7-kSZsvBY-A

To Christ it

Javaceff Christo (1935), artista búlgaro, apropria-se da geografia, do entorno, em intervenções realizadas no espaço público: ele embrulha, com telas ou tecido, monumentos, construções arquitetônicas, objetos comuns, trazendo à memória circundante um lapso significante inusitado e provocativo. O espaço geográfico como campo contaminado de subjetividades, é lugar de inscrições. O artista retoma os ready mades de Marcel Duchamp, retirando do objeto sua função primária para inscrevê-lo no campo simbólico.

Ao lado, uma polaroid de uma série que fiz com um amigo em 1998, de barracas de camelô espalhadas no centro da cidade de São Paulo. As barracas são embrulhadas em lona azul diariamente para que fiquem protegidas durante a noite. A série elabora um enunciado significante (a barraca azul como obra) que dialoga com o manifesto artístico de Christo, numa brincadeira poética. A periferia do discurso visual não remete a nada, é horizontal. Mas é no ruído gerado pelas imagens e na livre associação que a gramática de um sentido é adquirida.

** Em Paris, virada de 1999/2000, Christo fez embrulhos lilases, transparentes, nas árvores ao longo da av Champs Élysées ... andávamos e imagens de filmes eram projetadas nessas árvores, entidades a devir. E deslizávamos como dentro de um cristal. Deslumbrante. Interessante: um dia antes do Reveillon do século, um tufão devastou boa parte de Paris. E os véus lilases de Christo acabaram sudários no chão. A natureza também faz narrativas!

Jan Saudek e a escritura do absurdo

Desde a época da faculdade fui tomada pelas imagens deste fotógrafo para nunca mais largá-las. Ele cria as cenas-mitos que vai registrar, para enunciá-las num discurso estético desestabilizador. Evoca imagens arquetípicas da humanidade nossa de cada dia e as enreda num tom melancólico e irônico.
Melancólico, porque opta por um risco dissonante ao usar ecoline sobre as fotos, numa referência nostálgica ao que vamos pintando sobre nosso desamparo original. Irônico, porque ao compor suas partituras visuais, ele brinca com o grotesco sob a forma do belo.
Tcheco, Jan Saudeck passou anos trabalhando numa fábrica , driblando a pobreza e o sistema político de seu país ao fotografar amigos, vizinhos, especialmente mulheres gordas, homens bizarros e crianças, todos nus. É como se ele retirasse as imagens do inconsciente, mas num contato muito elaborado com as fantasias: diferente dos surrealistas.
Ecolinizando sua própria nudez, o artista se vestiu.
E que magnifíco guarda-roupa nos foi dado a ver.

** a Tashen lançou recentemente uma edição especial incrível, enorme, com uma coletânia primorosa das melhores fotos. Infelismente custa 290 reais na Fnac. Mas custa 54 dólares na Amazon. Se alguém se habilitar ... me avise.

Caixa de Pandora

"O olho grande da menina
é um pequenino olho grande
que acende a luz daquela estrela
e aquela estrela é a mais distante

Não tenha medo vovó, não tenha medo mamãe,
há muito tempo que eu não via assim ...
tá lá no livro tintin por tintin
pirlimpimpim ..."

Genteeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee ...
alguém aí se lembra disso?

** ah, a Som Livre lançou o divertido Plunct Plact Zuumm com o ambulante Raul Seixas. Pegue carona nessa cauda de cometa lá na
Livraria da Vila ...

Lavoura Arcaica: um chão de tangerinas incendiadas

"Para onde estamos indo? – não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um ruído rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida; 'estamos indo sempre para casa.'." (Raduan Nassar, in Lavoura Arcaica: 36)

Baseado na obra homônima de Raduan Nassar, Lavoura Arcaica é uma consagração lírica da condição humana em forma de tragédia. O retorno do filho pródigo que, por ironia (ou desgraça), põe `as avessas a casa do pai. Em cena, temos André, o filho desgarrado, resgatado pelo irmão mais velho e reconduzido ao seio da família. É um retorno espiralado de fluxos e refluxos a esparramar em palavras a essência do proibido. É aqui que Pedro é atirado sem dó na factualidade do desejo, lançado na memória de um que foi tragado pela escolha de afeto da Mãe e acabou consumido no amor incestuoso pela Irmã.
Um filme que captura o espectador para uma avassaladora viagem poética, cuja passagem se compra logo na primeira cena - metáfora íngreme dessa história: a expressão dolorosa de André, numa busca desenfreada do si mesmo, desintegrando-se no ato da masturbação. Na penumbra do quarto de pensão, incidências de luz casam-se com sons de um trem trespassando a cena, foco e desfoco andando pelas partes fragmentadas do seu corpo. É luz e sombra, angústia e prazer, num passeio do olhar (o nosso) pela pele difusa de André.
É deste momento que eclode toda a memória do filme: entrave erótico, lírico, mítico e porque não um comentário sobre a função da palavra incindindo sobre um mundo ainda sem nome e por isso mesmo tão potente – porque irrestrito -.
Inscrições fundantes do mundo das imagens (mãe) e do mundo das palavras (pai), temos um fluxo da subjetividade em claro escuro numa fotografia que acompanha as expressões pulsionais do personagem, sendo ora essa claridade da infância ora a sombra obscura do seu adolescer, num jogral que entumece a vista do espectador não só em pura sensação estética, mas em identificações coladas nessas manchas animadas do desejo.
Assim, para além da origem árabe e mediterrânea desta família (que insere um sentido de cores terra cota, musicalidade hipnótica e um comentário sobre a linhagem religiosa do pai), esta lavoura é arcaica porque é um antes que trata do mito original de toda humanidade.
São essas supressões de limite - interdito do incesto -, numa cúmplice concessão aos desejos humanos, alargada em argumentos de liberdade, alegria e sensualidade que enlaçam o enredo do filme. É a brandura muda de Ana, sua trapaça. É a travessia da sua imagem mítica em toda sua potência dual que emerge da terra 'dominando a todos com seu violento ímpeto de vida' . Não importa muito sua morte pelas mãos do pai na cena final. Ela permanece.

Blue II

Voltando da viagem anterior ... de fato em todas as fotografias da minha infância eu estive vestida de azul. Tudo meu foi azul, botas, batas, meias-calça, vestidos, bonecas, camisetas, pelúcias e o tapete do quarto. Tudo azul.

Engraçado: blue também é triste...
Sin-signo ?

Nem Freud, nem Lacan: Yves, viva !

Blue I


Estou relendo meu livro do Yves Klein. Além de dar de presente à alma da gente o azul luminoso das verdades transcendentais que a arte dele endossava - oui, inventou uma nova luz para a cor azul, é química, portanto, ciência -, ele voou factualmente entre o céu e a terra. E registrou. Apenas pra mostrar que é possível.
Minhas duas paixões agarradas em um só: o azul e o voar.
Nada emudece o tempo como um vôo de paraglyder ... e a vista atravessada de azul. É como orgasmo, mas tchannnn: dura mais hehe. Por isso é melhor escolher dias claros como os da primavera. O céu é azulíssimo e os ventos, geralmente favoráveis.
Para dias chuvosos como o de hoje vale um chocolate bem forte e ... se não tiver namorado para caminhadas sensoriais inusitadas por lençóis bem brancos então lance mão de uma boa câmera fotográfica ... dias cinzentos e aguados favorecem fotografias bemmm bonitas. Através de janelas, principalmente.

Mi casa, su casa

Eu gosto de decoração porque ela aciona uma metáfora incrível. Faz uso da memória retida nas coisas e tem um poder que nem sempre nos é acessível por outras vias: faz intercâmbio de significados debaixo do chão que você pisa e bem nas quinas das paredes que você pinta. Um lenço branco bordado, deitado no criado-mudo, ultrapassa a própria história para virar cama de terço. Que veio lá de Jerusalém. Os broches, de pano vermelho da avó e de cristais coloridos da mãe, foram fazer enfeite no abat-jour da outra linhagem da família. Ironias. Não é privilégio das coisas serem revestidas de funções inusitadas só porque o banco virou mesa? Não retiramos da arte esse poder regenerador, esse perfume âmbar misturado à acústica das nossas angústias mundanas? É por isso, meu caro, só por isso, que mi casa não é su casa.